quinta-feira, 16 de julho de 2009

Regra do INSS pode gerar passivo trabalhista

Regra do INSS pode gerar passivo trabalhista

Marta Watanabe e Raquel Salgado26/09/2007

Ruy Baron/Valor
Remigio Todeschini, do Ministério da Previdência: há defasagem na concessão de auxílio por doenças ocupacionais
Márcio Miranda é bancário e alega ter adquirido Lesão por Esforço Repetitivo (LER) no trabalho como digitador. Conta que trabalha desde 1986 e seu primeiro afastamento pela doença foi em 1994. Desde então, diz, passou por cinco licenças. Na última, segundo ele, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) havia lhe concedido inicialmente o auxílio-doença previdenciário, mas em agosto Miranda conseguiu a conversão do benefício para auxílio-doença por acidente de trabalho
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Não se trata de simples mudança de nomenclatura. Ao conceder a Miranda o auxílio por acidente de trabalho, o INSS considerou a LER do bancário como doença ocupacional, adquirida em decorrência de sua função como digitador. A alteração traz repercussões tributárias e trabalhistas ao empregador, além do risco de litígios. A empresa fica sujeita a ação judicial do trabalhador ou do INSS, órgão que tem tentado passar para o empregador a conta dos gastos com auxílios-doença ocupacionais.

O benefício obtido por Miranda é um entre milhares que provocaram um salto no volume de novos auxílios-doença por acidente de trabalho. De março para abril, o volume concedido desse benefício aumentou de 11,53 mil para 28,59 mil. Desde então, a concessão desse auxílio permaneceu em patamares que representam no mínimo o dobro dos casos registrados nos mesmos meses em 2006.

Em função dessa alta, os primeiros sete meses de 2007 acumularam 148 mil auxílios desse tipo, o que já supera os 141 mil casos registrados em todo o ano passado. Os dados mais recentes divulgados pelo INSS mostram que em agosto o ritmo dos auxílios-doença concedidos se manteve. Foram 29,5 mil benefícios. Em agosto de 2006, 14 mil casos.

Exatamente em função das repercussões para os empregadores, o salto nos benefícios concedidos por doenças ocupacionais preocupa o setor patronal. "As empresas têm pavor de passivos ocultos. Isso é uma fonte muito clara de passivo oculto", diz o diretor de relações intersindicais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Ferraiolo.

O aumento na concessão desse tipo de auxílio deve-se a um novo mecanismo aplicado pelo INSS na análise das moléstias apresentadas por trabalhadores, o chamado Nexo Técnico Epidemiológico (NTep). Por esse instrumento, o perito do INSS segue uma lista que relaciona cada tipo de trabalho diretamente a determinadas doenças consideradas de alta incidência naquela ocupação. Na prática, se o trabalhador for portador de doença considerada de alta incidência em seu tipo de serviço, a moléstia pode ser caracterizada imediatamente como ocupacional. Isso dá ao trabalhador o direito de receber o auxílio-doença por acidente do trabalho em vez do auxílio-doença previdenciário comum. Com isso, a empresa é obrigada a depositar FGTS durante o período de afastamento, além de dar estabilidade de um ano no retorno do trabalhador ao emprego. O funcionário não tem esses benefícios no auxílio por doença comum.

O nexo epidemiológico é utilizado desde abril. Antes disso, o médico não era obrigado a aplicar a lista que relaciona a doença à ocupação. Hoje, o médico deve obedecer à lista e justificar caso não conceda o benefício de doença ocupacional a um trabalhador que possua moléstia considerada de alta incidência no segmento.

"Houve uma inversão do ônus da prova", diz Ferraiolo. Antes, diz ele, era o trabalhador quem precisava provar que a moléstia foi adquirida no trabalho. O nexo epidemiológico, diz, transfere a empresa a responsabilidade de provar que a doença não está relacionada à ocupação.

Para Remigio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social, o aumento dos novos benefícios por moléstia do trabalho prova que havia, antes do nexo epidemiológico, defasagem na concessão de auxílio por doenças ocupacionais. As doenças do trabalho não eram notificadas ao INSS como tal e acabavam classificadas como moléstias comuns. Os empregados recebiam, então, o auxílio-doença previdenciário, e não o de doença do trabalho. "Os benefícios concedidos podem ser impugnados pelas empresas, mas a evolução mostra que havia uma subnotificação gritante de doenças ocupacionais, principalmente no setor de serviços e no bancário. O nexo epidemiológico está começando a corrigir isso."

Estatísticas do INSS revelam que, com a aplicação do nexo, houve não só aumento nos benefícios concedidos por moléstia do trabalho, mas também queda nos auxílios concedidos por doença comum. No acumulado do ano, o volume de auxílios-doença comuns concedidos caiu 11,89% (ver tabela).

Todeschini diz que a expansão na concessão de benefícios por moléstias do trabalho foi bastante significativa em casos que antes eram tratados como moléstias comuns. É o caso da dor lombar baixa, que registrou média mensal de 113 benefícios concedidos por doença ocupacional de janeiro a março de 2007. Depois do nexo, a média mensal, medida de abril a julho, foi para 1,63 mil casos.

A alteração na concessão de benefícios, diz Todeschini, deverá mudar, num prazo mais longo, a proporção no estoque de benefícios por doença comum e doença ocupacional. Por enquanto, o volume de pagamentos do INSS a beneficiários por doença comum é muito maior. De acordo com o último relatório do INSS, a Previdência tinha em estoque, em agosto, 1,388 milhão de auxílios por doença comum e 140,23 mil por moléstias ocupacionais.

Desde que surgiu, o nexo epidemiológico causa polêmica. A sua aplicação já foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O processo aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos seis meses, quando o nexo passou a ser aplicado, a Fiesp promoveu dois eventos sobre o tema. O segundo, na semana passada, lotou os 180 lugares do salão nobre entidade e teve transmissão simultânea para uma sala de reuniões anexa igualmente cheia.

No evento, Todeschini defendeu que o mecanismo terá caráter educativo e vai propiciar ambiente de trabalho mais seguro. Ferraiolo, da Fiesp, manifestou o receio de que empresas possam se responsabilizar por moléstias que estão fora de seu controle. Ao que tudo indica, as discussões apenas começaram.

Fonte: http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/primeirocaderno/especial/Regra+do+INSS+pode+gerar+passivo+trabalhista,07269,,59,4548587.html

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